Deixe de lado esse baixo-astral: estudo mostra como a vergonha pode impulsionar a criatividade
Vergonha e criatividade caminham juntos, mas quem faz essa relação é o auto-perdão
— Você já produziu algum tipo de conteúdo e na hora de publicar ficou com vergonha?
Tem um mantra – que circula muito pelas redes – que diz que o jeito mais fácil de enxergar os nossos erros é clicando no botão publicar. Você já fez esse teste?
É impressionante como só percebemos o que poderíamos melhorar depois de não haver como voltar atrás.
OBS: Eu sei que existe a função “editar publicação”, mas o importante é a parábola.
Mesmo com vergonha ou desconfiado se aquilo que produzimos é suficiente para nossas expectativas e para o que nosso público espera das nossas criações, há um jeito de revermos esse quadro e impulsionar nossa criatividade. Preste atenção neste estudo:
A pesquisa de Tongtong Ye e Haodong Su publicada na BMC Psychology, neste começo de ano, aprofundou como a gente processa a vergonha e como o auto-perdão é um fator de controle desse sentimento.
A real é que a criatividade, que no estudo é entendido como a capacidade de desenvolver ideias originais, sempre foi um tema que chamou muito a atenção de quem estuda a mente humana. E, por muito tempo, o foco foi nas emoções positivas como motor da criatividade. Só que essa pesquisa mostrou que emoções negativas, nesse caso, a vergonha, também têm um papel nessa história, só que de um jeito mais complexo do que a gente poderia imaginar.
O primeiro ponto é: a vergonha afeta a criatividade. E isso até parece óbvio. Quantas vezes não deixamos vergonha nos vencer, né? O espírito de auto-sabotagem sempre está nos cercando. Nesse sentido, o estudo aprofundou essa relação:
Os pesquisadores avaliaram mais de mil universitários chineses em junho de 2024. Eles responderam um questionário sobre:
o quanto sentiam vergonha em diferentes situações ("Você se sente envergonhado de certos comportamentos ou hábitos pessoais?");
o quanto conseguiam se perdoar depois de errar;
o quão criativos se consideravam no dia a dia.
A grande sacada da pesquisa foi usar uma técnica chamada análise de perfil latente (LPA). Imagina que, em vez de só olhar pra média das respostas, eles tentaram encontrar grupos de pessoas que tinham padrões de vergonha parecidos. Essa abordagem focada no indivíduo revelou cinco perfis bem distintos de como as pessoas vivenciam a vergonha:
Vergonha-Contexto Constante Baixa (SCC-L): Esse tem uma relação tranquila com a vergonha. Sentem pouca. E essa pouca coisa não muda muito dependendo se estão sozinhos ou no meio de outras pessoas.
Vergonha-Contexto Constante Moderada (SCC-M): Eles sentem uma dose média de vergonha, e essa intensidade se mantém mais ou menos a mesma em diferentes situações.
Vergonha-Contexto Constante Alta (SCC-H): Essa galera sente uma vergonha pesada, que acompanha eles tanto na vida pública quanto na privada. É aquela sensação constante de inadequação.
Vergonha-Contexto Saliente Baixa (SCS-L): Eles não se incomodam tanto em sentir vergonha quando estão sendo observados ou avaliados, mas em outras situações a vergonha aparece.
Vergonha-Contexto Saliente Alta (SCS-H): Essa turma é super sensível ao julgamento dos outros. Se sentem muito mais envergonhados em situações públicas, onde rola pressão social.
A vergonha impulsionou a criatividade
O resultado mais surpreendente foi a correlação positiva que eles encontraram entre a intensidade geral da vergonha e os níveis de criatividade. Ou seja, as pessoas que se sentiam mais envergonhadas também tenderam a ter pontuações mais altas nos testes de criatividade. Isso bate com a ideia de que emoções negativas podem nos alertar para problemas e nos motivar a buscar soluções, o que pode impulsionar o pensamento criativo.
Vergonha e auto-perdão
Além disso, os pesquisadores também mediram o nível de auto-perdão dos participantes. A auto-perdão, segundo o estudo, é a capacidade de se aceitar depois de cometer um erro, sem ficar se remoendo por isso. E o que eles viram foi uma correlação negativa forte entre vergonha e auto-perdão. Quanto mais vergonha a pessoa sentia, mais difícil era para ela se perdoar.
– Esse resultado já parecia ser um pouco mais esperado.
E é aqui que o auto-perdão entra como a peça chave do quebra-cabeça. O estudo mostrou que se perdoar funciona como um mediador na relação entre vergonha e criatividade. Isso significa que a forma como a gente lida com a vergonha, se a gente consegue se perdoar ou não, influencia diretamente se essa vergonha vai se transformar em um impulso criativo ou em um bloqueio.
Outra conclusão muito importante foi o efeito "supressivo" do auto-perdão nos grupos de alta vergonha (SCC-H e SCS-H). Parece meio paradoxal, mas, embora sentir muita vergonha possa indicar um potencial criativo maior, a falta de auto-perdão meio que anula esses benefícios. É como se a vergonha desse um empurrãozinho pra criatividade, mas a dificuldade em se aceitar e se perdoar depois de errar impedisse essa energia de fluir.
Para essa galera que sente uma vergonha intensa, ficar preso na culpa e na autocrítica parece que não deixa espaço mental para as ideias criativas brotarem. Eles se culpam tanto que acabam evitando a própria existência, o que diminui ainda mais o auto-perdão.
Por outro lado, nos grupos de baixa e moderada vergonha (SCC-L, SCC-M e SCS-L), o auto-perão parece ter um papel diferente, talvez mais direto em facilitar essa ligação entre a (menor) vergonha e a criatividade.
Trabalhar o auto-perdão vai impulsionar sua criatividade
A grande implicação dessa pesquisa é que focar em desenvolver o auto-perdão pode ser uma boa estratégia para ajudar as pessoas, especialmente aquelas que sofrem com altos níveis de vergonha, a liberar o seu potencial criativo. Em vez de só tentar acabar com a vergonha, que é uma emoção complexa e ligada à nossa vida social, o negócio seria aprender a se acolher e se perdoar quando a gente sente que falhou ou que não correspondeu às expectativas. E isso faz parte da vida, ok?
Limitações da pesquisa
Os pesquisadores também levantaram algumas limitações do estudo. Por exemplo, como a pesquisa foi feita só em um momento, não dá para afirmar categoricamente se a vergonha causa a criatividade ou vice-versa. Além disso, a amostra foi basicamente de estudantes universitários chineses, então seria legal ver se esses resultados se repetem em outras culturas e faixas etárias. Talvez haja a necessidade de um estudo comparado. A cultura, inclusive, tem um papel importante em como lidamos com a vergonha.
Por outro lado, essa pesquisa traz uma visão bem nova e interessante sobre a relação entre a vergonha e a criatividade. Ela mostra que a vergonha não precisa ser só uma emoção de bloqueio. Se a gente conseguir desenvolver auto-perdão, esse receio forte em expor algo pode até se transformar em um combustível para a nossa criatividade.
Fica a dica pra próxima vez que a vergonha bater: se perdoe! E quem sabe uma ideia genial não aparece!
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